EUA montam nova Internet para usar como arma

Meta é dar “perspectiva de Deus” aos americanos durante guerras

Pentágono está construindo sua própria Internet, uma rede mundial militar de computadores para as guerras do futuro.

Meta é dar "perspectiva de Deus" aos americanos durante guerras
Meta é dar “perspectiva de Deus” aos americanos durante guerras
O Pentágono está construindo sua própria Internet, uma rede mundial militar de computadores para as guerras do futuro.
O Pentágono está construindo sua própria Internet, uma rede mundial militar de computadores para as guerras do futuro.

A meta é dar a todos os comandantes e soldados americanos um quadro em movimento de todos os inimigos estrangeiros e ameaças –“um ponto de vista de Deus” da batalha.

Esta “Internet no céu”, disse Peter Teets, subsecretário da Força Aérea, ao Congresso, permitirá a “marines em um jipe Humvee, em uma terra distante, no meio de uma tempestade, abrirem seus laptops, requisitarem imagens” de um satélite espião e “obter seu download em segundos”.

O Pentágono chama a rede segura de Global Information Grid (grade global de informação), ou GIG. Concebida seis anos atrás, suas primeiras conexões foram feitas seis semanas atrás. Poderá levar duas décadas e centenas de bilhões de dólares para construir a nova rede de guerra e seus componentes.

Os céticos dizem que os custos são chocantes e os obstáculos tecnológicos imensos.

Vint Cerf, um dos pais da Internet e um consultor do Pentágono para a rede de guerra, disse se perguntar se o sonho dos militares é realista. “Eu quero me certificar de que o que pretendemos é uma visão, não uma alucinação”, disse Cerf.

“Este é um tipo de Guerra nas Estrelas, na qual a política era: ‘Vamos lá construir este sistema’, mas a tecnologia estava muito atrasada”, disse ele. “Não há nada errado em ter metas ambiciosas. Só é preciso temperar com física e realidade.”

Os defensores dizem que computadores em rede serão a arma mais poderosa no arsenal americano. Unindo armas, inteligência secreta e soldados em uma rede global –o que chamam de guerra net-cêntrica– mudará, segundo eles, as forças armadas da mesma forma que a Internet mudou os negócios e a cultura.

“Possivelmente, o elemento mais transformador em nossa força”, disse o secretário de Defesa, Donald H. Rumsfeld, “não será um sistema de armas, mas um conjunto de interconexões”.

As forças armadas americanas, formadas para combater países e exércitos, agora enfrentam inimigos sem Estado e sem jatos, tanques, navios ou quartéis-generais centrais. O envio instantâneo de inteligência secreta e estratégias para soldados em batalha tornará, em teoria, as forças armadas uma força mais rápida e mais forte contra um inimigo sem rosto.

Robert J. Stevens, executivo-chefe da Lockheed Martin Corp., a empresa com mais contratos com as forças armadas, disse que prevê uma “Internet altamente segura na qual atividades militares e de inteligência estarão fundidas”, que moldará a guerra do século 21 da mesma forma que as armas nucleares moldaram a Guerra Fria.

Todos os membros das forças armadas teriam “um quadro do espaço de batalha, um ponto de vista de Deus”, disse ele. “E isto é um grande poder.”

Mas os tradicionalistas do Pentágono perguntam se a guerra net-cêntrica é apenas um modismo caro. Eles apontam para os combates de rua em Fallujah e Bagdá, dizendo que poder de fogo e blindagem ainda são mais importantes que cabos de fibra óptica e conexões sem fio.

Mas o maior desafio na construção de uma rede de guerra pode ser a burocracia militar. Por décadas, Exército, Marinha, Força Aérea e Corporação Marine têm construído suas próprias armas e tradições. Uma rede, disseram defensores, superaria este antigo modelo.

Os ideais desta nova guerra estão orientando muitos dos planos de gastos do Pentágono para os próximos 10 a 15 anos. Alguns custos são secretos, mas bilhões já foram gastos.

Fornecer as conexões para administrar uma rede de guerra custará pelo menos US$ 24 bilhões nos próximos cinco anos –um custo superior, em dólares atuais, ao do Projeto Manhattan para criação da bomba atômica. Além disso, a encriptação de dados será um projeto de US$ 5 bilhões.

Centenas de milhares de novos rádios provavelmente custarão US$ 25 bilhões. Sistemas de satélite para inteligência, vigilância, reconhecimento e comunicações custarão dezenas de bilhões de dólares adicionais. O programa de guerra net-cêntrica do Exército por si só está orçado em US$ 120 bilhões.

Ao todo, sugerem documentos do Pentágono, US$ 200 bilhões ou mais poderão ser gastos em equipamento e software para a rede de guerra na próxima década.

“A questão é de custo e tecnologia”, disse John Hamre, um ex-vice-secretário de Defesa, atualmente presidente do Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos, em Washington.

“Nós queremos saber tudo o que se passa o tempo todo em toda parte do mundo? Ótimo”, disse Hamre. “Nós sabemos que este olho que tudo vê é o que colocaremos no espaço? Não.”

Os militares querem saber “tudo de interesse para nós, o tempo todo”, nas palavras de Steven A. Cambone, subsecretário de Defesa para inteligência. Ele disse ao Congresso que a inteligência militar –incluindo cobertura de vigilância secreta por satélite de grande parte da Terra– será disponibilizada na rede de guerra e compartilhada com as tropas.

John Garing, diretor de planejamento estratégico da Agência de Segurança da Informação da Defesa, que está começando a construir a rede de guerra, disse: “A essência da guerra net-cêntrica é nossa capacidade de posicionar uma força de combate em qualquer lugar, a qualquer hora. Tecnologia da informação é chave para isto”.

Nova teoria da guerra

As empresas com contratos militares –e criadores de tecnologia da informação não geralmente associados a sistemas de armas– formaram em 28 de setembro um consórcio para desenvolver a rede de guerra.

O grupo inclui as principais empresas com contratos militares e potencias de tecnologia: Boeing; Cisco Systems; Factiva, uma joint venture da Dow Jones e Reuters; General Dynamics; Hewlett-Packard; Honeywell; IBM; Lockheed Martin; Microsoft; Northrop Grumman; Oracle; Raytheon; e Sun Microsystems. Elas estão trabalhando para unir armas, inteligência e comunicações em uma rede inconsútil.

O Pentágono já tentou isto duas vezes.

Seu Sistema Mundial de Controle e Comando Militar, construído nos anos 60, freqüentemente falhava em crises. Um sucessor de US$ 25 bilhões, o Milstar, foi concluído em 2003, após duas décadas de trabalho. As autoridades do Pentágono dizem que ele já está datado: mais mesa de controle do que servidor, mais discado do que banda larga, ele não suporta a tecnologia do século 21.

Os cientistas e engenheiros do Pentágono, desde quatro décadas atrás, inventaram os sistemas que se transformaram na Internet. Ao longo da Guerra Fria, seu poder de computação estava bem à frente do restante do mundo.

Então o mundo os superou. Os serviços militares e de inteligência do país começaram a ficar para trás quando a Internet explodiu no cenário comercial uma década atrás. A rede de guerra é “uma tentativa de tirar o atraso”, disse Cerf.

Ela tem evoluído lentamente nos últimos seis anos. Em 1999, autoridades do Pentágono disseram ao Congresso que “esta tarefa monumental exigirá um quarto de século ou mais”. Neste ano, a visão ganhou foco, e as autoridades do Pentágono começaram a explicá-la em mais detalhes para o Congresso.

Sua amplitude foi descrita em julho pelo Government Accountability Office, a divisão de investigação do Congresso.

Muitas novas armas e satélites multibilionários estão “criticamente dependentes da futura rede”, informou a agência. “Apesar dos enormes desafios e riscos –muitos dos quais ainda não foram superados com sucesso em esforços de menor escala”, como a defesa antimísseis– “o Pentágono está dependendo da GIG para promover uma transformação fundamental na forma como as operações militares são conduzidas”.

Segundo Art Cebrowski, diretor do Escritório de Transformação da Força do Pentágono, “o que estamos realmente falando é de uma nova teoria de guerra”.

Linton Wells 2º, diretor chefe de informação do Departamento de Defesa, disse que os princípios net-cêntricos estão se tornando o “centro de gravidade” dos planejadores de guerra.

“Os fundamentos são amplamente aceitos por todo o Departamento de Defesa”, disse Wells, que dirige o Escritório de Redes e Integração de Informação. “A alta liderança pode articulá-los. Nós ainda temos margem para justificar o motivo de gastarmos X bilhões de dólares em um certo programa. Na luta entre dispositivos e dígitos, os dispositivos tendem a vencer.”

Ele disse que US$ 24 bilhões serão gastos nos próximos cinco anos para construir novas conexões da rede de guerra. “Sem dúvida elas são caras”, disse Wells. “Desenvolvimentos tecnológicos sempre são.”

Os defensores reconhecem que unir os serviços militares e de inteligência americanos em um sistema unido é um enorme desafio.

As forças armadas estão repletas de “representantes tribais por trás de estações de trabalho tribais interpretando hieróglifos tribais”, nas palavras do general John Jumper, o chefe do Estado-Maior da Força Aérea. “E se as máquinas falassem umas com as outras?” ele perguntou.

Esta é a visão da nova rede: máquinas de guerra com uma linguagem comum para todas as forças militares, emitindo instantaneamente enciclopédias de informações letais contra todos os inimigos.

Para realizar tal visão, as forças armadas precisam resolver um problema persistente. Tudo se resume a largura de banda.

A largura de banda mede quantos dados podem fluir entre os dispositivos eletrônicos. Muito pouco para civis significa uma página de Internet demorar uma eternidade para carregar. Muito pouco para os soldados significa que a rede de guerra não funcionará.

As necessidades de largura de banda parecem sem fim. As forças armadas precisarão de 40 a 50 vezes mais do que a que foi utilizada no ápice da guerra no Iraque no ano passado, estima um estudo da Rand Corp. -o suficiente para dar aos soldados na linha de frente uma largura de banda suficiente para o download de três filmes de longa metragem por segundo.

O Serviço de Pesquisa do Congresso disse que o Exército, apesar dos planos de gastar US$ 20 bilhões para resolver o problema, poderá terminar com um décimo da largura de banda necessária.

O Exército, em seu relatório de “lições aprendidas” do Iraque, publicado em maio, disse que “provavelmente nunca haverá recursos suficientes para estabelecer uma rede completa e funcional de comunicações, sensores e sistemas em todas as partes do mundo”.

O gargalo já é grande. No Iraque, os comandantes e soldados na linha de frente enfrentaram freqüentes travamentos de software. “Para tornar realidade uma guerra net-cêntrica”, disse Tony Montemarano, o chefe de expansão de largura de banda da Agência de Segurança da Informação da Defesa, “nós teremos que ampliar enormemente a largura de banda”.

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