Saiba como funciona a inteligência artificial capaz de vencer de humanos

Há quase 20 anos, depois que o Deep Blue, um computador programado para jogar xadrez, venceu o campeão mundial Garry Kasparov, escrevi um artigo sobre porque os seres humanos ainda continuariam a ser os campeões de Go.

Jogador profissional de Go, o sul-coreano Lee Sedol enfrentou e perdeu do programa de inteligência artificial AlphaGo
Abordagens similares, mais artificiais que inteligentes, levaram a melhorias surpreendentemente velozes no reconhecimento de voz e de imagens, e também na participação em campeonatos de Go.

“Talvez ainda sejam necessários mais cem anos para que o computador ganhe uma partida de Go – ou ainda mais do que isso. Se uma pessoa razoavelmente inteligente aprender a jogar Go, em poucos meses irá ganhar de qualquer computador do mundo. Você não precisa ser um Kasparov”, afirmou o Dr. Piet Hut, astrofísico e entusiasta do Go do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Nova Jersey, em 1997.

Pelo menos era nisso que todo mundo acreditava. No mês passado, quando um programa de computador do Google chamado AlphaGo venceu o mestre Lee Se-dol em uma partida de Go, quis saber qual seria a reação de Hut. “Minha previsão estava completamente errada. Isso é impressionante”, me respondeu por e-mail.

Naquela época, seu pessimismo parecia fundamentado. Embora o Deep Blue tivesse sido treinado e programado pela IBM com alguns conhecimentos sobre o xadrez, sua vantagem residia especialmente na capacidade de realizar cálculos. A cada nova jogada, o Deep Blue fazia previsões rapidamente, explorando um labirinto de ataques e contra-ataques hipotéticos. Em seguida, o programa fazia o movimento que o algoritmo considerasse melhor. E nenhum cérebro humano seria capaz de pensar tão rápido.

Mas no caso do Go, um antigo jogo de tabuleiro famoso por sua complexidade, as infinitas opções de movimentos ainda são muito maiores do que a capacidade eletrônica de calcular. Portanto, a habilidade de realizar algo similar à intuição humana – ou seja, procurar e reagir a padrões – parecia ser fundamental e muito distante da realidade.

Traduções e fala

Outras atividades aparentemente impossíveis na época incluíam a capacidade de realizar traduções automáticas entre dois idiomas, ou de reconhecer a fala humana com precisão suficiente para o uso no dia a dia. Os cientistas da computação passaram décadas tentando resolver esses problemas.

Para muitas pessoas, o objetivo não era apenas criar uma inteligência artificial, mas compreender princípios profundos de sintaxe, semântica e fonética, ou até mesmo o que significa pensar.

Agora, qualquer pessoa com um smartphone ou laptop (conectado através da internet a uma nuvem de super-computação) é capaz de obter uma tradução rudimentar em inúmeros idiomas. Hoje é possível ditar ao invés de digitar. Além disso, os softwares de fotografia são capazes não só de organizar as fotos por data e localização, mas também pelo rosto das pessoas fotografadas.

Os resultados são imperfeitos e muitas vezes desajeitados, mas teriam sido assustadores em 1997. Afinal, o que aconteceu de lá para cá?

Naturalmente, os computadores se tornaram muito mais potentes. Entretanto, até mesmo as máquinas mais velozes ainda não são capazes de prever todos os movimentos possíveis em um jogo de Go. O sucesso nessa e em outras empreitadas depende da capacidade de aproveitar a velocidade de outras maneiras.

O grande avanço da tradução ocorreu quando deixamos de questionar o que realmente significa compreender um idioma e nos concentramos em encontrar uma tecnologia que fosse funcional. Os sistemas de tradução automática começam o processo com textos que já foram traduzidos por mentes humanas. Em seguida, ambas as versões são analisadas por um computador. Por meio de uma rápida comparação entre as duas, a máquina é capaz de compilar uma série de correlações estatísticas, associando termos e expressões com seus equivalentes em língua estrangeira.

Abordagens similares, mais artificiais que inteligentes, levaram a melhorias surpreendentemente velozes no reconhecimento de voz e de imagens, e também na participação em campeonatos de Go.

No caso do AlphaGo, algoritmos de aprendizado conhecidos como redes neurais profundas foram treinados por meio de uma base de dados que inclui milhões de jogadas realizadas por seres humanos no passado. Em seguida, o programa afiou seu conhecimento por meio de partidas extremamente velozes realizadas contra si mesmo.

A cada mudança no algoritmo, o programa foi se tornando mais apto a jogar. E assim, o AlphaGo finalmente venceu por meio de um método extremo de aprendizado que equivale à experiência de muitas vidas humanas, conhecido como busca em árvore Monte Carlo em função de sua capacidade de avaliar de forma randomizada um universo de movimentos possíveis.

Essa foi uma vitória tremenda. Mas os louros não devem ficar com um programa de computador e sim com todas as mentes humanas por trás de cada movimento. Ao final do campeonato em Seul, na Coreia do Sul, 15 pessoas subiram ao pódio. Elas representavam uma pequena fração de todas as pessoas envolvidas na invenção e execução de todas as tecnologias envolvidas. Lee Se-dol estava jogando contra um exército.

Em 1997 eu escrevi que “para jogar uma boa partida de Go, o computador precisaria ter a capacidade de reconhecer padrões sutis e complexos, tirando proveito do tipo de conhecido intuitivo que é a marca registrada da inteligência humana”. Continuei o texto dizendo que vencer um campeão de Go “seria um sinal de que a inteligência artificial estava realmente se tornando tão boa quanto a humana”.

Agora isso já não é mais verdade. Com a ajuda dos “grandes dados”, algoritmos de aprendizado engenhosos obtiveram conquistas impressionantes, alcançando o que muitos chamam de “intuição enlatada”. Porém, a inteligência artificial ainda está longe de alcançar a fluidez da mente humana.

“Os seres humanos podem aprender a reconhecer os padrões de um tabuleiro de Go – além de padrões relacionados aos rostos e à linguagem – e até mesmo os padrões dentro dos padrões”, afirmou Melanie Mitchell, cientista da computação na Universidade Estadual de Portland e do Instituto Santa Fe. “É isso o que fazemos o tempo todo, todos os dias. O AlphaGo é capaz de reconhecer apenas os padrões presentes em tabuleiros de Go, mas é incapaz de extrapolar essas informações – incluindo jogos similares ao Go, mas com regras diferentes. ”

“Além disso, são necessários milhões de exemplos práticos para que o AlphaGo aprenda a reconhecer os padrões, ao passo que os seres humanos precisam apenas de alguns”, prosseguiu ela.

Os cientistas da computação estão realizando experimentos com programas capazes de realizar generalizações com maior eficácia. Todavia, as redes neurais maleáveis presentes em nossas cabeças – moldadas ao longo de bilhões de anos de evolução e treinadas em um ambiente do tamanho do mundo – ainda são bastante eficazes na batalha contra computadores ultrarrápidos criados por equipes de seres humanos, programados para realizar uma única atividade e começando o jogo com uma vantagem tremenda.

“Foi um jogo infeliz, mas eu me diverti”, afirmou Se-dol durante a cerimônia de premiação. (Infelicidade e diversão – um computador não seria capaz de compreender isso). Ele acrescentou que a competição “mostrou claramente as minhas fraquezas, mas não as fraquezas da humanidade”.

Ao receber o troféu e as flores como prêmio de consolação, ele riu nervosamente e tropeçou no palco. Alguns dias depois, afirmou que queria uma revanche.

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